O Assassino de Si Mesmo
Hoje, como nos outros dias, gritou.
Mas, sempre gritava.
Gritava num silêncio tão alto que nenhum
de nós ouvia, mesmo no quarto ao lado.
Estava sempre presente.
Mas, não notávamos!
Chorava em seu sorriso que disfarçava
angústias e lágrimas.
Gemia, tremia quando estava perto e ao
mesmo tempo longe.
Porque, nós, não o notávamos.
Estava lá por todos.
Consolava.
Amava.
Cuidava.
Mas, não estávamos!
Hoje, pela última vez gritou.
Mas, sempre gritava!
Socorria nossas angústias em busca de
socorro.
Perito na arte de estar perto sem ser
notado, estava sempre acompanhado da solidão.
Mas, não notávamos!
Persistia em entrar pelas portas
fechadas.
Nós trancávamo-las.
Era esbelto, bonito, puro, magnífico e
sofrido.
Poético na sua forma de ser, fechado e
distinto.
Mas, nunca notamos!
Até ao momento em que resolveu não mais
bater às portas trancadas.
E gritou pela última vez.
Desta vez o eco foi intenso.
Mesmo em silêncio mortal o grito foi
ouvido.
No tiro de adeus marcado no peito, ele
se foi.
E não mais gritará.
Mas, o silêncio que deixou grita, faz
eco, faz som.
Hoje notamos!
E na carta que deixou, estas
palavra: “Parei o tempo para que me notassem. Não o vosso, mas o meu.
Para que, hoje, leiam os poemas que escrevi; os sonhos que semeei, em meu solo
infrutífero, nunca regado; as fantasias que nunca vos contei, porque nunca
foram notadas. Hoje, enfim, serei notado. E amanhã esquecido. Tolo sou e
assassino de mim mesmo! Mas, esta é a única forma de agradar minha alma e ser
notado, numa primeira e ultima vez.”
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