Cabo Verde de olhos postos numa Literatura Internacional


Músicos como Tito Paris, Cesária Évora, Bana, Lura e outros, levaram Cabo verde a grandes palcos, tornando o “petitpays” conhecido lá fora. 
A música, no entanto, não é o único meio de internacionalizar um país. A cultura da escrita, também, pode ser uma importante aliada.

Assim sendo, é necessário apostar-se na divulgação da literatura nacional, que além de ser uma bela forma de arte, ajuda a tornar conhecida a vivência de um país, a sua história e o seu povo.
Essa divulgação é mais bem conseguida, quando se transpõe as barreiras linguísticas. Os escritores nacionais, como quaisquer outros, ambicionam ver as suas obras a ganharem novos mercados. É por isso que tem sido cada vez mais pertinente e urgente pensar-se em políticas de divulgação, edição, tradução e livre circulação de obras e autores.


Traduzir para internacionalizar

Tornar uma obra mundialmente conhecida, ou pelo menos, apreciada num maior número possível de países, requer que esteja traduzida para idiomas que facilitem seu acesso.
Grande parte das dificuldades do autor cabo-verdiano, ao publicar um livro, passa por fazer com que esse conteúdo circule no mercado internacional. Para ajudar a ultrapassar esse desafio, Cabo Verde levou para o encontro dos ministros da CPLP, a ideia de um mercado comum para arte e a cultura. 
Segundo, Abraão Vicente, que representou o país no encontro, “o primeiro passo é criar um quadro jurídico comum, para a circulação e respeito dos direitos autorais e, depois facilitar, com vistos de cortesia e vistos culturais, aos artistas, que eles sejam convidados para eventos em cada um desses países.” O ministro das artes criativas adianta, ainda, que o país tem grandes potenciais em mercados literários como Brasil, Portugal, Angola e Moçambique e, portanto, será um dos grandes beneficiários do mercado comum.  

Para a curadora da Biblioteca Nacional, Fátima Fernandes, primeiro tem-se de capacitar pessoas para entenderem, efectivamente o que é internacionalizar a literatura cabo-verdiana e em que espaços e como se pode fazê-lo. “Nós já temos formações académicas que privilegiam a formação em línguas, falta-nos ainda, integrar essa componente a partir da valorização do texto literário e da sua tradução, que vai possibilitar aos nossos autores serem traduzidos, quer a partir de Cabo Verde, quer fora, para que consigam ultrapassar a dimensão geográfica, passando a ser lidos em línguas diferentes da língua portuguesa”, explica a curadora.

Paulo Ferreira, que dava uma formação sobre a “Internacionalização da Literatura Cabo-verdiana”, o âmbito do Morabeza – Festa do Livro, sugeriu que os autores nacionais escrevessem em línguas que facilitem a tradução, como o português, por exemplo. “Eu não quero dizer que os escritores cabo-verdianos tenham de passar a escrever só em português. Não. O que quero dizer é que se quiserem ter suas obras traduzidas mais facilmente, têm de apostar em línguas que facilitem a tradução para outros idiomas e o português é uma delas”, esclarece o formador.


Políticas Públicas para a Leitura

“Os escritores que circulam na CPLP são os que tiveram as suas obras editadas ou por editoras portuguesas ou brasileiras. Há que se criar políticas públicas para a leitura. As editoras têm de fazer parcerias com as distribuidoras, de modo a permitir a melhor circulação dos livros, para que não se limitem apenas ao mercado português e brasileiro”. Foram estas as palavras que o escritor cabo-verdiano, Filinto Elísio, utilizou, aquando da sua intervenção na mesa de debate – “No Intende”- no festival Morabeza FL, para sugerir alternativas para auxiliar a divulgação das obras de escritores nacionais no mercado exterior. Uma outra política que o autor sugere é o financiamento à tradução. “A tradução de obras cabo-verdianas é um exercício urgente”, afirmou o supracitado, reforçando que é um esforço que deve ser feito para nos aproximar de outros mercados e outras editoras.
Filinto Elísio vai mais além e lança um desafio ao país: “Desfio Cabo Verde, que quando assumir a CPLP trouxesse políticas de livre circulação de livros para que autores do Timor, por exemplo, chegassem às bancas cabo-verdianas, portuguesas e brasileiras”.

Para se driblar as barreiras linguísticas e alcançar o mercado exterior, o Ministério da Cultuara e das Indústrias Criativas, a Academia Cabo-Verdiana de letras e a Biblioteca Nacional, estão a apostar na tradução de obras de escritores cabo-verdianos. “Iremos avançar imediatamente para a tradução dos clássicos. Falo do Chiquinho, de Baltazar Lopes, os contos de António Aurélio Gonçalves, Gabriel Mariano, O Arquipélago, de Jorge Barbosa. A Biblioteca Nacional, em parceria com a Academia Cabo-verdiana de Letras, tem preparado já um leque de livros que são para traduzir”, garante Abraão Vicente.

Uma outra grande aposta será a reedição, a partir da Biblioteca Nacional, de obras como as de Eugénio Tavares, por exemplo.


Nacionalizar Primeiro

Antes de se cogitar levar uma literatura para o mercado internacional tem-se, primeiro, de pensar na distribuição e no consumo interno. A Biblioteca Nacional em parceria com o Ministério da Cultura, entregou, no passado mês de agosto, o kit “biblioteca essencial” a todas as edilidades do país, como forma de empoderar os municípios em matéria de literatura e colmatar a fala de livros nas suas bibliotecas. 
“A nossa ideia é abranger os municípios e dialogar directamente com as câmaras municipais numa política de proximidade, ou seja, reconhecer que, não sendo possível ter estruturas físicas de instituições nacionais, as câmaras aparecem como as principais parceiras do Ministério da Cultura”, explicou o ministro da cultura, enquanto realçava a importância do programa.

O escritor angolano, José Eduardo Agualusa, que esteve de visita a Cabo Verde, sugeriu durante um debate, na biblioteca nacional, a criação de uma rede de bibliotecas públicas para que as pessoas tenham acesso ao livro. “Associações e organizações não governamentais podiam ficar responsáveis por essas bibliotecas”, completa o autor.


A curadora da Biblioteca Nacional, já citada, alerta, no entanto, que “é necessário apostar-se na formação dos mediadores de leitura, para que possam ajudar a melhor cuidar das bibliotecas”. É que, segundo diz, para se ter livros devidamente catalogados e bem cuidados, nas bibliotecas, há que se ter pessoal preparado para o ofício. Igualmente é preciso apostar-se em programas que promovam o gosto pelo livro e pela leitura, o que ajuda a valorizar obras e autores. 

Reportagem por: Raven Carvalho

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