Ler é magia - Carmen Araújo
Quando a Evelise Carvalho (responsável por este blog tão
construtivo) convidou-me para escrever um texto sobre a minha experiência com a
leitura (as minhas referências, motivações), confesso que fiquei um tanto
quanto confusa. "Como hei de fazer isto?", perguntei a mim mesma.
Mesmo com essa dúvida a dar cambalhotas na minha cabeça, decidi aceitar - e foi
preciso apenas 10 segundos para dizer "Sim, claro...com muito
prazer".
Fiquei com essa mesma dúvida até o momento em que comecei
a escrever estas linhas. Desatei-me a imaginar os vários textos que eu já li,
de vários escritores, blogers, sobre o hábito de leitura. É que,
realmente, não é tarefa fácil. Quando decidimos fazer algo do género, temos que
ter em mente que não escrevemos apenas para transpor aquilo que sentimos como
forma de dizer "pronto! As minhas experiências já foram digitadas,
registadas, etc etc". Escrevemos, também, para despertar no leitor um
sentimento semelhante ou igual ao que sentimos. E, porque não, ajudá-los,
também, a se encontrarem!? E isto, garanto-vos, não é tarefa fácil.
Foi então que a imagem de um livro, resolveu
"ressurgir" no meu córtex cerebral. Foi o primeiro livro que tive o
imenso prazer em ler. Correção: foi o primeiro livro que li até à última
página. Tinha eu 14 anos. Ou seja, o gosto pela leitura começou realmente a
fazer parte da minha vida, recentemente. Antes disso, lia por obrigação e, por
isso, a leitura tornou-se algo fastidioso, banal. Era incapaz de encontrar o
mínimo prazer naquilo. Mas este livro de que vos falo, foi o responsável por
umas das melhores mudanças na minha vida. E não estou a exagerar. Há dias,
sugeri-o a um amigo virtual que confessou-me querer incutir em si mesmo o
hábito de leitura.
Não era uma adepta de livros. Preferia ver filmes (não
que os filmes sejam banais em relação aos livros, pelo contrário). Até que um
dia, fiz uma daquelas raras visitas que fazemos a um familiar. Fui visitar o
meu tio Cacá e quando entrei na sala da sua casa, dei de cara com uma estante
repleta de livros, de cima para baixo, um autêntico "arsenal"
literário. A senhora curiosidade resolveu dar o ar da sua graça e conduziu-me à
inesquecível estante do tio Cacá. Sabem, até hoje lembro-me dos primeiros
livros que deitei os olhos em cima: Alice no País das Maravilhas (Lewis
Carroll, 1865), Hamlet (William Shakespeare, 1600), Os Lusíadas (Camões, 1572),
Gabriela, Cravo e Canela (Jorge Amado, 1958)...clássicos da literatura.
Recordo-me, e muito bem, de que demorei cerca de uma hora a explorar aquele
"colírio". Mais e mais clássicos, de vários emblemáticos escritores,
ingleses, angolanos, sul-africanos, americanos, franceses, portugueses, dinamarqueses,
italianos, moçambicanos, cabo-verdianos...um oceano de talentos, uma
diversidade e inteligência invejável. É estranho porque, até aquele momento, a
leitura, para mim, era apenas mais uma "kansera d'cabésa" que
maquinaram para controlar os adolescentes.
Depois de explorar minuciosamente, a capa e a contracapa,
as introduções de cada livro (a maioria, da Coleção Lipton, da Visão), dei por
mim a encarar o livro da minha vida. A grande obra do inconfundível mestre da
ficção científica, Arthur Conan Doyle: As Aventuras de Sherlock Holmes. É a
este livro que devo a ideia que faço das histórias de mistério.
A senhora curiosidade empolgou-se, mais uma vez, e, em
frações de segundos, lá estava a minha pessoa a emprestar o Sherlock no meu
tio, juntamente com Romeu e Julieta (o maior dos clássicos, escrito pelo maior
dramaturgo que o mundo já vira, William Shakespeare) e o As Viagens de Gulliver
(livro do enigmático e controverso escritor angloirlandês, Jonathan Swift).
Fui completamente arrebatada pelos livros acima
mencionados. Melhor dizendo - e ainda que possa parecer estranho - fui
arrebatada pela estante, pela beleza da mesma. Era colorida, com capas
sublimes, títulos chamativos, espessuras e tamanhos
diversos...um boom de emoções. A estética é realmente importante.
A escola, os professores não andam a mentir-nos. E, em parte, graças àquela
estante, almejo ter uma biblioteca em minha casa, assim que for possível ter
uma.
Cheguei em casa com três livros na mão. Uau! Que
novidade! Embora tenha sido uma boa aluna - no sentido de que tirava boas notas
e tinha muita aptidão para aprender línguas - a leitura corrente, não era o meu
forte - e, sem entender o porquê, sentia que algo estava a faltar. A minha mãe
não deu uma hora para que eu desistisse dos livros. Como ela estava equivocada!
"As Aventuras de Sherlock Holmes" conquistou-me nas primeiras linhas
e li as 256 páginas - recordo-me perfeitamente - em nove dias. E foi uma
leitura feita durante as férias de Natal, por isso, foi uma leitura ainda mais
aprazível. Grande Sherlock, "o mais famoso detetive da literatura
policial e a personificação do pensamento científico". As aventuras
deste carismático personagem de Doyle, foram transpostas para o cinema, o
teatro, a rádio e a televisão (um dos atores que já interpretou Holmes no
cinema, é Robert Downey Jr., o nosso Homem de Ferro; uma interpretação sublime,
digna de um Óscar e capaz de despertar a vontade de adquirir o livro).
Depois de Sherlock, nunca mais parei. Foi um livro atrás
do outro; vieram todos em catadupa. Como devem imaginar, após o S.H, veio Romeu
e Julieta. E hoje, digo, sem hipocrisias, que qualquer leitor que se preze,
deve ler esse empolgante e marcante romance. É leitura obrigatória para quem
gosta realmente de literatura.
E quantos mais livros já passaram pela minha estante
improvisada (todas lidas): Os Três Mosqueteiros (Alexandre Dumas, 1844);
Notre-Dame de Paris (Victor Hugo, 1831); Volta ao Mundo em 80 Dias (Júlio
Verne, 1873); Os Maias (Eça de Queirós, 1888); Inferno (Dan Brown, 2013);
Persuasão (Jane Austen, 1816); As Aventuras de Dom Quixote De La Mancha (Miguel
de Cervantes, 1605); O Mar na Lajinha (Germano Almeida, 2004); Codex 632 (José
Rodrigues dos Santos, 2005) etc etc etc.
São tantos, que até perco-me nas contas. Mas tudo isso
para vos mostrar que, a partir do momento em que começamos a ler a sério, com
vontade, entusiasmo, algo mágico acontece. Eu, sinceramente, acredito que a
leitura é magia. E a nossa mente agradece. Sabem, a leitura ajude-nos a
amadurecer. São tantas as lições de vida que podemos tirar de um livro. A
priori, o livro pode até parecer "piegas", mas o jogo de palavras, o
sentimento nelas incutidas, são como uma luz que surge em meio a tantas
dúvidas, inseguranças que, por vezes, apoderam-se de nós e nos aprisionam.
Leitura é liberdade...é renascimento. A cada leitura, mais palavras surgem para
enriquecer o nosso vocabulário; mais percebemos do mundo, das pessoas que nos
rodeiam; mais percebemos da alma e da mente humana; melhor nos comunicamos e,
eu, sendo estudante de comunicação, bem sei o quanto esta ferramenta é
importante para o desenvolvimento de qualquer ser humano.
Quando eu desato-me a falar de livros, as pessoas
lançam-me alguns olhares de reprovação, se assim posso dizer. "A menina
que se quer fazer de diferente, de intelectual". Olha, bad news!
Sou diferente. Mas eis o segredo: todos somos. A diferença nos engrandece. E os
livros, a leitura, permitiu que eu encontrasse um caminho para coisas
maravilhosas que já estavam à minha espera. A
leitura tem sido uma inestimável aliada no meu processo de descoberta: quem sou hoje; o que quero do amanhã; o que posso
aprender dos erros que cometi ontem.
Não quero dizer que a leitura é obrigatória. Não! Sou o
tipo de pessoa que acredita que a leitura "forçada" é como colocar
"baboza" no peito de uma mãe que ainda está a amamentar a sua
criança; é horrível demais para ter uma segunda experiência.
Essa vontade tem que ser genuína. E, atenção! Ler como
tentativa de impressionar e mostrar aos outros que são pessoas cultas é um erro
terrível. O que se aprende e se apreende durante a leitura e é transmitido aos
outros, é só um efeito secundário que, na maioria das vezes, é inevitável.
Leiam para vocês, para o vosso conhecimento. Como é bom sabermos das coisas
como forma de compreender melhor o que se passa à nossa volta sem termos que
ficar perdidos em meio a tantos enigmas, mudanças, rompantes. Depois, passemos
ao nosso semelhante, aquilo que aprendemos, principalmente através das nossas
ações para com eles, e para connosco.
É por isso que existem pessoas como a Evelise que, de
forma humilde, tentam incentivar o hábito de leitura. São pessoas que, como eu,
acreditam que a leitura pode fazer a diferença naquilo que somos e que um dia
seremos. Ao percebermos isso e percebermos, também, que ninguém sabe de tudo,
mas que devemos procurar sempre, alcançar o conhecimento, "coisas
maravilhosas acontecem", como costuma dizer o melhor professor que já
tive, o mestre Daniel Medina. Ele e as suas inúmeras chamadas de atenção
durante as aulas de Laboratório de Redação Jornalística:
"Pessoal...estudem, leiam muito. Só assim vocês poderão ser profissionais
brilhantes". Grande Medina!
Um exemplo de como a leitura conseguiu
"arrancar" de forma tão singela, um sentimento perigoso que em mim
crescia: 22 anos, tão novinha, e lá estava eu a criar barreiras ao amor - não
me perguntem porquê - convicta de que o amor só existe nos cinemas...típico
pensamento pessimista. Nessa mesma altura - vá lá, há uns bons meses- comecei a
ler "Dom Casmurro" do escritor brasileiro Machado de Assis. Vejam a
capacidade que um livro de duzentas e tal páginas, publicado em 1899, teve de
desconstruir aquele sentimento derrotista que já fincava raízes em mim. O amor
de infância, puro, singelo, carregado de memórias e de diálogos e gestos
tímidos entre os personagens principais, Bentinho e Capitu - relatados na
melhor pseudobiografia que já lera - "ressuscitaram" aquela Carmen
romântica que pensei ter “morrido”. Como eu disse: renascimento.
Ou então, outro exemplo, desta vez, de um livro de
escritor cabo-verdiano: "O Mar na Lajinha", de Germano Almeida,
publicado em 2004. Que livro! Mas que livro! Em uma altura em que não estava a
achar piada a coisa alguma, este livro surge no quarto do meu pai e tento
encontrar nele uma forma de distrair-me de alguns sentimentos que me
entristeciam. O resultado foi "tiro e queda". Acho que nenhum outro
livro fez-me rir tanto como esse. Germano Almeida, com certeza, é o melhor da
literatura cabo-verdiana. Os personagens, Pantcha, Noberto, João Branco, Maribel,
Luizão, Miguilim, entre outros do grupo de banhistas, proporcionaram-me
momentos de pura descontração e conseguiram com que eu sentisse aquilo que a
nova geração chama de "vibe", da nossa boémia Soncent.
Hoje, exemplificando pela milésima vez, encontro-me no
meio de um oceano de dúvidas relacionadas com a religião. Estou naquilo que os
brasileiros gostam de falar "em cima do muro". A religião sempre foi
e continua a ser um tema que suscita debates antagónicos por todo o mundo e, na
minha idade, nos confrontamos mais ainda com questões sem respostas a longo
prazo. Grandes obras como as do escritor e jornalista português, José Rodrigues
dos Santos, têm sido uma ajuda no que toca à construção da minha própria
opinião relativa a este tema. Hoje, por exemplo, consigo perceber um pouco mais
sobre o islão (religião controversa e cheia de "armadilhas mentais")
graças ao "Fúria Divina" do referido escritor português. A história
do personagem Ahmed e a "descoberta" do fundamentalismo islâmico é
envolvente e tão bem trabalhada que, basta esse livro, para que o leitor
consiga "penetrar" na religião islâmica e perceber os seus preceitos
- coisa que, até agora, a televisão não conseguiu fazer.
É neste sentido que peço: leiam romances (Shakespeare,
Nicholas Spark, John Green); dramas (Shakespeare, Markus Zusak, Jorge Amado),
ficção científica (Arthur Conan Doyle, Orson Scott, Agatha Christie); comédias
(Douglas Adams, Shakespeare) fantasia (Júlio Verne, J. K. Rowling, George R. R.
Martin; J. R. R. Tolkien)...leiam poemas (Mário Quintana, Carlos Drummond de
Andrade, Camões, Fernando Pessoa, Pablo Neruda, Ovídio Martins, Corsino
Fortes), crónicas, entrevistas...ou se preferirem, leiam livros técnicos...mas
peço-vos, tentem ao menos. Leiam livros que, de alguma forma, vos chamam a
atenção e que tenham algo para vos ensinar, independentemente da sua origem.
Vou incrementar e finalizar estas linhas com as breves
palavras do escritor e filósofo iluminista francês, Voltaire: "A leitura
engrandece a alma". Simples, não é? Mas, ao mesmo tempo, é imenso e
complexo e é preciso estarmos dispostos a entender o grande poder que a leitura
nos confere.
Ler é magia...
Brilhante. Grande Carmem, Grande Evelise, minha maninha que amo de paixão.
ResponderEliminarMeninas, despertam em mim uma coisa que se chama "orgasmo literário" já ouviram falar?
- bom se não, não se preocupem, eu também não! Até hoje. kkkkkk.
Amei, continuem.
Grande Daniel Medina, meu irmão menos novo.