O Sonho Da Virgem



Como é perfeito! Embranquecido e pálido. Sedoso e macio. Irreprovável!
Combina impecavelmente com as minhas feições de negra, bela e frondosa, como campos por colher.
Relógios em badaladas e, ainda, admiro o meu vestido posto intocável em cima do meu leito imaculado.

Imagino meu corpo em seus contornos, minhas curvas, minha silhueta, meu peito nu, metricamente colocados debaixo de seu tecido. Vou enlouquecer o meu amor!
Não há preto que resista a este encanto de negra. O branco do vestido, casado ao negraço da minha pele, pausam, deliciosamente, o tempo.

Ponho-me a passear em pensamentos, planeando ser seus desejos mais ocultos e secretos. Abro os olhos e prossigo em preparativos, feito noiva exaltada atendendo matrimónio. Renovo minhas tranças castanhas, lembrando solo fértil e cubro meus lábios de escarlate. Vou enlouquecer o meu amor! Estou pronta para sepultar a virgindade.

Aceno de longe o meu amor. Ele vem. Trazido pela brisa primaveril, no aroma das flores, adornado pelo laranja do crepúsculo em passos aparentemente céleres, aparentemente vagarosos. Vem armado de amor, a galope, comandado cavalaria de paixão. Com sua espada afiada e seu matadouro entesado e pronto para invadir.

Vou ser amada pelo meu amor! Adeus continência cruel! Adeus castidade infame! Adeus sede de querença! Não mais serei casta em cativeiros de amor. Hoje, serei dona do meu dono e escreva do meu senhor.

Arrepios mantam meu corpo como bruma de amanhecer. Ele chega. Apruma-se em minha fronte e leva suas belas mãos ao meu rosto. Antes mesmo de eu respirar, envolve-me num beijo ardente e suave, derretendo as muralhas da minha integridade e fazendo de mim qual vulnerável a amores pagãos.

 “Não mais serei virginal” - minha alma grita. - “Adeus mordaça silenciadora de gritos de deleite. Serei, agora, ventania e fúria de bem-querer.”

Antes de o meu amor poder encontrar o caminho para a minha satisfação eterna, o sol corteja o amanhecer, que entra sem permissão pela minha janela aberta.


O dia desperta-me deste sonho libidinoso e maldito. Desabrocho mal-amada, tão virgem quanto antes. A desilusão nina meu peito em brasas e esfria o ponto G que, nem em sonho, foi tocado. 

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