A Crónica de Um Amor de Faz de Contas

As pedras estão frias, mesmo calça, percebo-as. Ando devagar. Presente e distante ao mesmo tempo.  

Lá em baixo, gaivotas pairam sobre o mar, procurando algo ou alguém, além do muro que nos separa. A nossa presença não lhes incomoda. Parecem acostumadas a assistir apaixonados mirando a excelência do mar.

Ele se vira e me mira. Seus lábios distintos, perfeitamente traçados. Desenhados tão delicadamente que faltam palavras para descrever. Seus olhos de coruja. Ai aqueles olhos de coruja! Com contornos perfeitos, cílios longos e esbelto, em medida exata. Seu nariz empinado e viril. Sua pose de homem jovem. Prudente. Corajoso. Destímido e forte. Seu sorriso de menino, que quando conjugado ao seu olhar profundo, goteja esperança e mel. Doce, viscoso, tentador.

Como resistir aos encantos desta alma pura e lhana? Nunca antes tinha visto criatura com tal candura. Nem anjos, em sua mais cândida santidade, brilham mais do que esta visão mítica, fixo ante meu semblante.

Apaixonei-me perdidamente por este ser irreal. Perfeito demais para ser terreno. Cândido demais para ser apenas celeste.
Amo perdidamente esta visão em miragem real. Quero ter. Quero tocar. Quero amar. Mas, porque é que não te aproximas? Porque é que não me aninhas? Porque é que me miras ao de longe, sem passos de encontro?

Talvez não me ames. Perco-me. Quem amo não me ama. Tem o coração cativo. Não no meu.

De um lado, a lua tímida como eu, em seu vestido de prata, trazendo em sua silhueta redonda domínio à noite. Do outro lado, o sol se pondo, partindo devagar, levando memórias do dia que dorme.

Enquanto a noite consome o lusco-fusco, a minha miragem se perde. Minha doce visão desaparece. Meu amor se cala. Minha esperança se petrifica. O sol leva minhas fantasias e a lua traz o frio nevado de Fevereiro com uma grande rajada de solidão.

Estou sozinha no precipício. O mar já não me fala. As gaivotas desapareceram, meus passos não me acompanham, este amor não me corresponde e esta noite não promete amanhecer. 

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