A Literatura Cabo-verdiana e os Jovens Escritores na Visão de Odair Varela e Kaká Barbosa




Cabo Verde é dono de uma cultura riquíssima. Um país jovem e com uma juventude preocupada em encontrar o seu lugar e construir legados.
Essa motivação nota-se, também, no contexto literário. Jovens, apaixonados pela escrita, esforçam-se para deixar a sua marca e mostrar o que sabem fazer.
Porém, nem sempre é fácil encontrar, como muitos dizem, “lugares e oportunidades”. Então, o que falta? Qualidade literária? Competência para a escrita? Investimentos? Oportunidades?


A Bússola convidou duas gerações, diferentes, de escritores para falar sobre este assunto. Odair Varela – escritor infanto-juvenil, autor de “A fita cor-de-rosa”- e Kaká Barbosa - poeta, músico e contista, autor de “Gaveta Branca”.

Duas gerações, as mesmas questões e respostas surpreendentes.
Uma entrevista para substituir as telenovelas!



Alguns jovens escritores dizem-se pouco respeitados pelos “veteranos”. O que pensa disso?

Odair Varela - Bom, não sei da parte destes que se dizem desrespeitados, mas os veteranos que conheço têm por hábito serem pessoas simpáticas e educadas. O que poderá existir por parte dos “veteranos” talvez seja um ignorar da produção criativa dos jovens autores.

Ora, acredito que quando estiver na fase mais adulta ou mesmo idoso (neste momento ainda estou apenas i-doce) provavelmente poderei dar pouca atenção a estes meninos que agora estão a criar e que estarão a movimentar o campo das publicações daqui a muitos anos. Isto porque, uma pessoa vai crescendo e escolhendo o que dedicar o pouco tempo que dispõe. E digo isso porque considero que o jovem autor não tem que esperar muita coisa dos veteranos.

Se há alguém ou algo que o autor deva esperar é do público e que sua reação seja de aceitação. De pouco vale ao jovem autor ter palmadinhas nas costas dos veteranos e não conseguir alcançar o público com os seus livros. Eu sugeria mudar o foco e estar feliz.


Kaká Barbosa - O que é isso de poucos respeitados. Não acho que assim seja. Eu não sou nenhum veterano, nem vanguarda, nem coisa que se pareça. Os iniciados na escrita, que se auto-intitulam jovens escritores, têm de treinar muito a escrever porque a escrita é um processo de aprendizagem interminável.

Eu iniciei e nunca parei de ler os outros e de escrever. Portanto o jovem que quer exercitar-se na escrita o campo é largo e não tem que se colocar do lado da falta de respeito. Se tiver um bom trabalho é notado logo, mas se forem textos sem muito valor não são tidos em conta.


Acha que as editoras deveriam apostar mais nos jovens escritores?

Odair Varela - Não defendo que uma editora deva apostar num escritor apenas por ser jovem, mas defendo que o jovem escritor deve apostar em si mesmo e convencer uma editora a publicá-lo. Vários fatores – comerciais – entram em jogo para a aposta da editora que poderá optar por publicar um jovem de qualidade ou um idoso sem qualidade literária. Contudo, quando algumas pessoas defendem que não se devia publicar livros de má qualidade respondo “o que é que tens a ver com o dinheiro dos outros?” Porque é disso que se trata: da liberdade individual de publicar porcarias.

Agora, cabe-me como leitor avaliar a obra e defini-la como sendo de fraca qualidade, porém, isto não me dá o direito de incentivar o cercear da liberdade desta pessoa de editar as suas produções criativas. Em termos de publicações, é preciso levar em conta que Cabo Verde precisa ultrapassar o quesito da quantidade antes de ultrapassar a qualidade.
Ademais, é mais fácil despontar a qualidade em meio a um ambiente literário pujante e cheio de publicações (boas e fracas) do que num terreno árido onde apenas dois ou três pudessem publicar. Mas, atenção, só defendo o direito de publicar livros de fraca qualidade quando se trata de edições de autor ou de editoras privadas. Em se tratando de dinheiro público, sou um acérrimo defensor das publicações com qualidade e do melhor uso dos poucos recursos coletivos e este não passa pela publicação de porcarias.


Kaká Barbosa -As Editoras são entidades que editam livros para pô-los no mercado livreiro ou de leitores e apostam em bons livros para venda e não para apoiar ninguém. É negócio. Não é apoio que dá ao autor.

Uma obra tem ou não tem valor literário para o consumo dos interessados. A editora escolhe a obra o autor vem depois. O autor jovem, neste caso, tem de aprender com os outros autores, os bons, depois é trabalhar e a profundar o pensamento e aperfeiçoar a escrita e a linguagem até conseguir o estilo próprio.


Diz-se que a qualidade está ligada à experiência. No caso da literatura, a experiência dita a qualidade?

Odair Varela - Acredito que a experiência seja sim um fator da qualidade literária. Contudo, a experiência não está, necessariamente, ligada à idade biológica do autor, mas quem conseguir misturar a experiência de vida com a de escrita terá vantagens.

É preciso levar em conta que a experiência é apenas um elemento que concorre para a qualidade, mas não é a causa única. E esta experiência pode ser ganha conjugada com a publicação.

Por isso que defendo que em Cabo Verde o novo autor deve publicar, publicar e publicar e só depois preocupar-se com a exclusão da sua obra dos cânones literários por via daqueles com maiores práticas e publicações. O tempo sempre soube dar conta das obras de menor qualidade, quer dos então novos autores, quer dos consagrados.

Kaká Barbosa - Claro. O que é uma obra literária. È antes de tudo experiencia vivida. Depois vem a ficção e a aprimoração da linguagem que carrega consigo outros aspectos como a beleza, a estética o estilo pessoal etc.


O escritor angolano, José Eduardo Agualusa, disse numa entrevista, aqui na Bússola, que “esperava mais da literatura cabo-verdiana”. O que pensa dessa afirmação?

Odair Varela - Acredito que a “literatura cabo-verdiana” que Agualusa referia neste contexto tinha a ficção em prosa (romance e contos, principalmente), a poesia e, talvez, o teatro como referenciais. Porém, duvido muito que estivesse a falar da literatura para a infância porque não foi um ‘género’ da literatura que teve uma referência incontornável como, por exemplo, o período dos Claridosos. Logo, quem poderá responder a esta afirmação de Agualusa seriam os autores de literatura para adultos, os consagrados. Ou seja, eles que são grandes que se entendam.
Quanto à esperança no progresso, nós caminhamos sobre a nossa História e só depois a escrevemos. Significa que esta geração pós-Independência está maioritariamente aqui ainda a escrever e que serão os outros a avaliar o impacto que teve em comparação com os Claridosos ou outros.

Kaká Barbosa - É uma afirmação de quem nunca foi ao sucupira e aos bairros. Como é que uma pessoa deita uma olhada numa bancada de livros e tira em poucas horas uma conclusão desta natureza. Há muitos livros que não foram exibidos na banca que ele visitou. Tão simples como isto.


Acha que os escritores da pós-independência não conseguiram fazer melhor do que aquilo que fizeram os claridosos, por exemplo?

Odair Varela - Depende do prisma. Qual seria a medida deste “melhor”? São os escritores da pós-independência ou os Claridosos que obtiveram mais prémios internacionais? O autor mais traduzido de Cabo Verde está em qual destes dois grupos?
Se falarmos de números de livros publicados, em qual destes grupos estão os autores com mais obras editadas? Contudo, a literatura (supostamente) não é um concurso de estética por isso acho melhor não achar nada. 

Kaká Barbosa - É o contrário fizeram e vêm fazendo de acordo com a sua época. Não devemos confundir as épocas em que os escritores estão inseridos. As mudanças são constantes, os acontecimentos não param e a história também. O homem é o animal que mais muda com o tempo já que ele é criador de si próprio.


Quando olha para a história da literatura cabo-verdiana, é este o progresso que vislumbrava?

Odair Varela - Não lhe sei responder sobre o progresso porque não parei para reflectir sobre esta retrospectiva histórica e o possível patamar que deveria estar em relação ao antigamente.

Kaká Barbosa - Toda história é o que ela é com as suas etapas e seus momentos de glória e momentos de rompimentos e alavancagem de novas glórias. A história foi sempre assim. É o homem no seu percurso de vida, sempre a criar e a inovar e a propor novos caminhos em continuidade histórica. Olha progresso para mim significa trabalho feito e consolidado para que as pessoas possam usufruir dos resultados e sentirem-se proprietárias do ganhos alcançados.


Se tivesse que apontar algo que falta à literatura e aos escritores cabo-verdianos, principalmente aos mais novos, o que seria?

Odair Varela - Creio que me faltaria autoridade moral para apontar o que falta à literatura e aos escritores cabo-verdianos por isso não entro neste campo da teoria da literatura. Se me permitirem este atrevimento, diria que, provavelmente, faltará à literatura e aos escritores cabo-verdianos um mercado com canais de distribuição para que o público possa rejeitar ou aceitar autores e obras.

Antes de apontar nos outros, como novo autor prefiro olhar para o que me falta e para as minhas potencialidades pois acredito que este exercício de uma procura do auto-melhoramento tem consequências na soma das partes para realização do todo. Na minha adolescência lia muito mas agora vejo que me faltou uma certa orientação na leitura de obras e autores.

Gastei muita energia lendo livros que hoje digo que são sem um valor acrescentado. De tal forma que considero faz-me falta ter lido vários livros que hoje ajudariam na intertextualidade e no aprofundamento do pensamento intelectual e filosófico. É por isso que acredito que se tiver como meta atingir esta profundidade filosófico-intelectual talvez consiga fazer alguma coisa de jeito na literatura e suprir a minha falta. Até lá vou tentando fazer o melhor com aquilo que tenho.

Kaká Barbosa - No meu ponto de vista à literatura não falta nada, conquanto à produção de obras. As obras podem ter ou não ter, podem até ser pobre, mas não deixa de ser literatura. Isto não depende da literatura. Depende do trabalho do autor.


A via que acho deva ser bem explorada é comprar livros, lê-los com interesse, aprender e a partir daí criar ideias próprias e partir para a escrita sem medo de errar. O aperfeiçoamento vem depois, vem com o tempo e com a maturação. 


Leia, também, a entrevista com José Eduardo Agualusa, Aqui

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