A Vila da Areia
Foto: Oliver Flambeau |
Em Cabo Verde 65% da população vive no litoral das ilhas. Com pouco mais de meio milhão de habitantes, 55% da população do arquipélago são mulheres, que na sua grande maioria são chefes de família.
Na vila de Ribeira da Barca, localidade a noroeste do interior da ilha cabo-verdiana de Santiago é justamente esta população feminina que tem preocupado as autoridades locais, especialistas e ambientalistas, como a apanha de areia.
A apanha de areia e inertes por essas mulheres é uma realidade que está a provocar o desequilíbrio não só do ecossistema nacional mas na sua própria saúde com o desenvolvimento de doenças como, infecções vaginais, atrite, artroses, cegueira, surdez ou perda de cabelo.
Os montes de areia e de brita à beira mar dão as 'boas-vindas' à vila onde Homens, mulheres e crianças buscam esses recursos naturais em seu meio de sustento.
Vamos conhecer algumas histórias por trás desse problema ambiental.
Crisólita Mendes de 35 e Maria de Fátima de 62 anos, são duas das muitas mulheres que dedicaram vários anos de suas vidas na apanha de areia e brita na praia poucos metros suas de casa.
"Sabemos que é proibido e que nos causa problemas de saúde, mas extraímos areia porque não temos outra alternativa. Temos famílias e temos de buscar sustento", desabafou, Crisólita Mendes, que trabalha com isso desde criança, e não viu outra oportunidade na vida já que também não tem um nível acadêmico levado, mal consegui terminar a escola primária.
Mesmo com seu bebê de um ano e seis meses às costas, Crisólita embarca nesta jornada de trabalho diária. Mesmo em dias que tem de suportar uma dor de cabeça frequente, que acredita ser consequência de carregar peso excessivamente diariamente.
"Se pudesse ter um trabalho resolvido onde conseguisse ganhar pelo menos 200 escudos por dia (quase 2 euros), com certeza deixaria a apanha de areia. Mas não tenho alternativa e não tenho quem me ajude", garantiu, mostrando-se consciente dos danos provocados ao ambiente e à sua própria saúde.
“Se não fosse a apanha de areia imaginamos morrer de fome. Sabemos que é prejudicial, mas temos de sobreviver”, garantiu Maria de Fátima, apontando as feridas e cicatrizes nas pernas depois de horas dentro do mar, durante as mais de 6 décadas que se dedica a apanha de inertes.
Além disso, essas mulheres são vítimas de exploração. “Vendemos por um preço muito baixo e às vezes demoramos muito tempo para conseguir uma venda” disse, criticando a falta de atenção das autoridades locais e centrais.
Quem também chama a atenção para uma ação urgente das autoridades competentes é o presidente da associação dos armadores de pesca de Ribeira da Barca, José Rui Oliveira, que sugere que a melhor forma de acabar com o problema sério dos governos - locais e centrais - investirem na localidade, criando melhores condições de emprego para os moradores locais.
Uma sugestão apresentada é a formação em áreas como culinária, urbanização, etc., principalmente para que os mais jovens tenham uma alternativa para mudar de vida. Sugere também intervenções e criação de algumas infraestruturas locais como a construção de um cais de pesca, de um muro de proteção, de um liceu ou calcetamento de ruas.
Este assunto não preocupa apenas as autoridades internacionais em Cabo Verde. A presidente da cédula cabo-verdiana da Associação das Mulheres da África Ocidental sugere que não basta apenas proibir a prática, diz que o Governo deve criar "programas e projetos desenvolvidos e sustentáveis" e "medidas atempadas e coerentes".
Enquanto isso, e sem fiscalização à vista, as mulheres de Ribeira da Barca e de outros pontos do arquipélago de Cabo Verde continuam diariamente a procurar o sustento nas praias locais, desafiando quaisquer impactos e consequências.
Evelise Carvalho
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