“Eu esperava mais da literatura cabo-verdiana” - José Eduardo Agualusa
José Eduardo Agualusa nasceu na cidade
de Huambo, em Angola. Estudou Agronomia e Silvicultura. De ascendência
portuguesa a brasileira, foi jornalista e editor. Seus romances já renderam
prémios nacionais e internacionais.
Sobre a literatura cabo-verdiana, o
autor diz que esperava um progresso mais acentuado como aconteceu a nível da
música, por exemplo.
Quando é que descobriu, em si, o gosto
pela escrita, decidindo: “tenho mesmo de escrever”?
Eu
acho que a gente acaba escrevendo por causa da leitura. O escritor é sempre um
grande leitor. Eu me lembro perfeitamente qual autor é que me empurrou para a
escrita. Foi Eça De Queirós. Eu li Os
Maias, quando tinha 17 ou 18 anos e fiquei completamente arrebatado pelo Eça
e assim fui ler toda sua obra. A partir daí, comecei a escrever. Nasceu aquela
vontade e comecei a escrever nessa altura.
Então, se tivesse que apontar um autor
que admira e que o inspira seria o Eça de Queirós?
Seria!
Como é que se sentiu quando terminou de
escrever o seu primeiro livro? Qual foi a sensação de vê-lo pronto?
O
primeiro livro é sempre uma emoção muito grande. A gente não a repete com os
outros livros. Aquela emoção inicial de ver o livro editado, de ver a cara do
livro é incrível. Inclusive, eu na altura lembro-me que quando o livro saiu eu
achava a capa muito bonita. Fiquei maravilhado. E hoje, eu acho que é uma capa
muito feia. Mas, quando você tem um filho, você acha o filho lindo. As pessoas
à volta percebem que a criança não é nada bonita mas, você a vê como a criança
mais linda do mundo. E aconteceu isso com o meu primeiro livro. Foi uma emoção
muito grande e que não se repetiu com os outros.
Já que começou a escrever ainda na
juventude, o que é que um jovem precisa para ser um bom escritor?
Precisa
de ler. Precisa de ler muito. Um escritor é, em primeiro lugar, um grande
leitor. Atrás de cada livro há milhares de outros livros. A cada novo livro que
escrevo tenho que ler muitos outros. Costumo dizer que cada livro gera uma
pequena biblioteca. Na minha biblioteca, há uma prateleira grande que tem a ver
com cada livro que eu escrevi.
Por exemplo, tenho um romance sobre a rainha
Ginga, que é uma personagem incrível da história da África, não apenas da
história da Angola, mas da história da África e do mundo. Então, para conseguir
escrever esse livro, que é um romance histórico, ambientado no séc. XVII, eu tive
de ler muita coisa sobre a rainha Ginga, sobre como era viver no séc. XVII,
etc. Tive que comprar muitos livros, que fizeram a prateleira que tenho, hoje,
sobre “A Rainha Ginga”. Portanto, sim, a primeira coisa que se tem de fazer é
ler muito.
Já que foi jornalista, pegando naquela questão
de “quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha”, no caso de um jornalista
escritor, quem é que nasce primeiro? O jornalista ou o escritor?
Eu
acho que são dois ofícios muito ligados, que lidam com a palavra. O escritor começa
onde o jornalista acaba, porque o jornalista tem que ficar preso à verdade dos
factos, só pode escrever aquilo que consegue provar que aconteceu. O escritor
começa na fase seguinte, que é quando diz: “se tivesse sido assim”…”se tivesse
sido de outra maneira”…”se as pessoas tivessem asas”, aí começa o escritor.
São
actividades, de certa maneira, complementares. Eu aprendi muito como jornalista.
Aprendi a ser escritor como jornalista, aprendi a aproximar-me das pessoas, a
conversar, a extrair informações, a ser um pouco conciso mas, ao mesmo tempo,
são actividades muito diferentes. Por isso, o escritor começa onde o jornalista
acaba.
Qual é o segredo para se ter sucesso no
mundo literário?
Não
sei se existe um segredo. Eu acho que a paixão. Nós devemos fazer o que quer
que seja por paixão. Um livro só pode ser escrito por paixão. Temos que estar
muito apaixonados por aquilo que fazemos porque um livro pode demorar muito
tempo. Um romance pode demorar um ano ou dois a ser escrito e tem que ser
escrito em estado de paixão.
Se
nós nos divertimos enquanto escrevemos, ainda que o livro não dê certo, já ganhamos.
Aprendemos coisas novas. Eu escrevo porque me divirto a escrever, me surpreendo
enquanto escrevo, descubro coisas que não sabia. É quase como um jogo e o mais
interessante, pra mim, é ver como as estórias se vão ligando umas às outras. É
um processo mágico que me continua a fascinar esses anos todos.
Falando em paixões, quais são as suas
paixões ou preferência literárias?
Acho
que desde o início tive uma grande paixão por um conjunto de autores
latino-americanos, desde o Garcia Márquez ao Jorge Luís Borges - até tenho um
livro em homenagem ao Borges que é “O Vendedor de Passados” -, o Eça De Queirós
e, de uma forma geral, a poesia. Eu sou um grande leitor de poesias, sou um
ficcionista, preciso ler muita poesia enquanto escrevo.
Se fosse indicar um livro seu a um
leitor, qual seria?
Isso
é muito difícil, porque cada livro me lembra situações diferentes e os livros
são muito diferentes entre si. Tenho romances de viagens como “As Mulheres do
Meu Pai”, mas, também, tenho romances históricos. Se a pessoa me disser que
gosta de romance histórico, talvez indicasse “A Rainha Ginga”; se preferisse
romances de viagens, indicaria “As Mulheres do Meu Pai”.
O que é que pensa da literatura
cabo-verdiana?
Penso
que a literatura cabo-verdiana prometia mais do que aquilo que acabou dando. Só
isso. Quando a gente olha para o passado da literatura cabo-verdiana, para os
escritores que existiam no séc. XX, era de se presumir que tivessem surgido
mais escritores após a independência. Ainda por cima, num país com grande
vitalidade cultural, um país com uma democracia avançadíssima, que é lição não
só para a África mas para o mundo, com uma cultura popular tão rica, que se
exprime muito através da música. Eu esperava mais da literatura cabo-verdiana.
Acho
que o que temos de pensar é: porque é que a literatura cabo-verdiana não se
desenvolveu tanto quanto a música? Eu penso que é porque não se conseguiu levar
o livro a todos os cabo-verdianos. Cabo Verde tem uma cultura musical forte. É
fácil entrar em casa de alguém e ver que sempre tem um violão, sempre tem
alguém que toca. Mas, normalmente não têm livros. Enquanto não houver livros em
todas as casas de Cabo Verde, não vamos conseguir desenvolver a literatura. Eu
acho que o grande desafio de Cabo Verde é levar o livro a todas as famílias.
Entrevista por: Evelise Raven Carvalho
Olá,
ResponderEliminarEstás de parabéns um artigo muito bem feito.
Gostaria de um dia também ser entrevistada por si para falar das minhas escritas.
Olá Carla, obrigada pelo comentario... marcamos um dia e fazemos 😊😚🥰 bjs
EliminarOlá Evelise, obrigada pela mensagem.
EliminarEstarei disponível caso queiras. Entre em contacto comigo pelo messenger com o mesmo nome. Bjss.
Adoro ler e tenho uma enorme paixão pela literatura.
ResponderEliminarParabéns!
🌿Olá Evelise, como é bom ler pessoas que falam a mesma linguagem que nós, senti arrepio de felicidade ao ler este Blog, excelente trabalho, parabéns!!!
ResponderEliminarIdentifico com esta reflexão do José Eduardo Agualusa, recentemente num encontro sobre a Literatura, abordei esta questão, no caso de 🇨🇻 como as telenovelas, as redes sociais, são uma concorrência feroz, relativamente à leitura, nada contra acho que tem de haver equilíbrio, é um tema que me interessa muitíssimo, e estou a trabalhar nesse sentido.
Boa continuação, neste trabalho tão necessário, gostei da ideia, do empenho, neste que é uma lacuna tão grande na nossa cultura 🇨🇻
São pessoas como a Evelise com conteúdos desta qualidade / necessidade no meu ver, aos poucos vão tocar, mudar mentalidades!!! Ainda que seja uma ou duas pessoas a ler, comentar, divulgar artigos tão bons desta natureza, esta raridade de conteúdos me fascina, e faz parte de um dos vários propósitos de vida que trabalho neles, OBRIGADA EVELISE, considera que estamos juntas neste luta, por uma Sociedade 🌍 especialmente 🇨🇻 mais CULTA, + LITERACIA 🙏🏾
Gratidão
Carlita Lobo
Excelente entrevista!
ResponderEliminarA literatura caboverdiana está num bom caminho, mas é preciso fazer muito mais. Há novos talentos e o Estado deve rever a sua política de incentivos à criatividade literária. Há ainda entraves à publicação, circulação e destribuição.